Receita Federal tributa investidor-anjo de maneira exagerada, prejudicando o ecossistema de inovação.

Thiago Rondon
eokoe studio
Published in
6 min readAug 1, 2017

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Para inovar é necessário ser inadequado e persistente, é o que afirma o polêmico Malcolm Gladwell, colunista da revista New Yorker e autor de livros que exploram ciências sociais geralmente de maneira empírica, segundo o escritor nosso sucesso é obtido geralmente pela influência do contexto local em que vivemos, ou com a persistência na ação de pequenas atitudes para poder virar o jogo.

O sucesso é uma combinação de talento e preparação. O problema com essa forma de pensar é que, quanto mais a fundo os psicólogos analisam carreiras de talentosos, menor parece o papel desempenho pelo talento e maior se mostra a importância da preparação. — Malcolm Gladwell

Em Março de 2016, foi lançado o estudo chamado de “O Sistema de Inovação Brasileiro: uma proposta orientada por missões” pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em parceria com os economistas Mariana Mazzucato e Caetano Penna, por meio da Universidade de Sussex (UK), para subsidiar a elaboração da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (2016–2020) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O relatório completo está disponível para download.

A política de inovação deve ser construída a partir das características chaves de como ocorre a inovação: o processo de inovação é incerto, cumulativo e coletivo. Incerteza significa que agentes comprometidos com inovação não podem calcular a probabilidade de sucesso ou fracasso de forma antecipada — ou seja, os resultados são desconhecidos — portanto, para obter sucesso terão de aceitar fracassos ocasionais e desvios do planejamento. Cumulativo significa que os agentes precisam ser pacientes e agir estrategicamente para acumular conhecimento e competências (aprendizagem), com uma visão de longo prazo. Coletivo significa que todos os agentes têm de trabalhar juntos e, portanto, suportar certo grau de risco; por conseguinte todos também têm direito a compartilhar dos ganhos do processo de inovação bem sucedido.

— O Sistema de Inovação Brasileiro: uma proposta orientada por missões

O relatório aborda sugestões para fomentar a inovação, tais elas como nossa necessidade de realizar reformas no sistema tributário brasileiro ou na remoção de barreiras para implementação de contratos de compras públicas.

Empreendedorismo como estratégica pública

Atualmente, vivemos um momento de pessimismo no Brasil para o desenvolvimento local e sem nenhuma estratégia aparente para novos empreendimentos, um contexto que desestimula a inovação, dificulta o ponto da virada dos diversos atores e, principalmente, o sufoca o desenvolvimento de empreendedores locais.

Vivemos uma crise desemprego, com demissões em massa e queda na geração de emprego em grandes empresas e indústrias. Na contramão deste cenário, em 2016, as pequenas empresas contrataram 60% à mais profissionais do que as grandes e, o número de vagas no setor de tecnologia e para as startups, só tem aumentado, porém ainda é um setor que tem dificuldades para contratar justamente pela falta de formação dos profissionais no setor.

Assim como os cortes de investimento em políticas para a saúde ou educação, falta de estratégias para fomentar empreendedorismo, a pesquisa e o desenvolvimento prejudicam todo nosso ecossistema de maneira sistemática.

Uma parcela destes empreendedores locais estão desenvolvendo startups, que nada mais são do que novas empresas, geralmente, baseadas em tecnologia e que buscam novos modelos de negócios diante dos desafios de sua região. Muitas delas tem como missão gerar oportunidades que sejam escaladas rapidamente caso o sucesso seja conquistado.

Estamos em um país continental, que pode se beneficiar muito com este cenário.

Há poucos programas para fomentar startups no cenário brasileiro por governos e, quando existem, são poucos efetivos, com recursos muito escassos e, principalmente, sem um plano de continuidade ou persistência, dificultando o acumulo de conhecimento.

Na Coreia do Sul, por exemplo, desde de 2013 o governo investe bilhões para startups e pequenas empresas via grants, incentivos fiscais e empréstimos subsidiados.

Muitas são as adversidades enfrentadas por empreendedores na hora de iniciar suas startups. A dificuldade para acessar ao mercado, defasagem de conhecimento técnico e de negócios, a baixa retenção de talentos, a burocracia e por ai vai. Porém, para 80% destes empreendedores o grande desafio é encontrar investimento, segundo relatório da BCG (Boston Consulting Group).

No Brasil este apoio geralmente está muito ligado a quem frequenta universidades ou quem tenha condições de oferecer garantias, excluindo a grande maioria das pessoas, ou seja, do nosso potencial.

Regulações para o investidor anjo

Em 2016 tivemos também a sanção da PL 25/2007, chamada de crescer sem medo, que regulamentou o papel do investidor-anjo e determinava que investidores que aplicam a partir de R$ 50 mil em startups, não seriam considerados sócios das empresas que apoiarem e também não seriam responsáveis por nenhuma dívida em caso de falência. A lei, que estabelecia também outras investidas bastante favoráveis ao desenvolvimento saudável deste cenário, foi comemorada por investidores anjos, por oferecer legalmente um dispositivo para que a figura do investidor fosse estimulada, oferecendo segurança jurídica a quem desempenha esse papel.

Porém, recentemente foi sancionada uma nova tributação de investimento que trata investidores-anjo de maneira equivocada. Parecem confundi-los com investidores financeiros. O investidor anjo investe muito mais que capital em um empreendimento.

Não há equivalência substancial entre investir em “atividades de inovação e os investimentos produtivos” e investir no mercado financeiro mediante aplicações financeiras. A inovação por si só não pode ser equiparada a mercados financeiros dotados de um histórico de desempenho, e o investimento produtivo é bem distinto do investimento financeiro, aquele atrelado ao desempenho real da economia, este altamente influenciado por expectativas, ainda que ao final não tais expectativas venham a ser desmentidas pela realidade — Frederico Menezes Breyner

Um investidor-anjo, geralmente, tem como objetivo aplicar em negócios com alto potencial de retorno. O termo “anjo” é utilizado pelo fato de não ser um investidor exclusivamente financeiro — que fornece apenas o capital — mas geralmente por apoiar ao empreendedor, aplicando seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamento para aumentar suas chances de sucesso.

Pela nossa experiência na EOKOE, em desenvolver startups com investidores e empreendedores, há também uma necessidade de formação aos investidores-anjos para realizar este papel e, geralmente, eles precisam passar por alguns ciclos de investimento para obter conhecimento e auxiliar, da melhor maneira, suas investidas. Ou seja, além de ser um investimento arriscado, geralmente um investidor-anjo necessita obter experiência em como realizar investimento, para obter conhecimento que seja relevante ao ecossistema.

É bom lembrar, investidores anjos não atuam por caridade, porém são peças fundamentais dentro de um ecossistema de inovação e devem ser valorizados para além de apenas fontes de recursos financeiros, geralmente trazem conhecimento, acesso à mercado e rede de contatos e acredito que eles podem ser uma das principais armas para furar a bolha da exclusividade de empreendedorismo em tecnologia no Brasil.

Não foi à toa o desânimo que a comunidade empreendedora recebeu a Instrução Normativa RFB nº 1.719 de 19 de julho de 2017, que se por um lado regulamenta o imposto de renda sobre o investimento, por outro lado realiza uma tributação exagerada e que pode limitar novos investimentos em um setor que é preciso estimular, para compreender melhor em detalhes recomendo este artigo na Conjur do Frederico Breyner.

O artigo 5º da IN RFB 1.719/2017 determinou a tributação da remuneração auferida periodicamente pelo investidor-anjo pelo aporte de capital, submetendo-a ao imposto sobre a renda por alíquotas regressivas em função do tempo do contrato de participação que o fundamenta (22,5% para 180 dias; 20% de 181 a 360 dias; 17,5% de 361 a 720 dias e 15% após 720 dias). — Frederico Menezes Breyner

Vivemos um momento onde as oportunidades e incentivos a tecnologia, que geram novos mercados, promovem P&D e formas de trabalho, estão fragilizadas e com dificuldades em obter financiamento.

Não faz sentido uma tributação tão elevada para os investidores-anjo. É necessário um trabalho mais efetivo do governo, alinhado com as demandas e falhas do mercado e também com um ecossistema, que possibilite inovação e capacitação.

Investimento é uma incerteza. Mas, precisamos desenvolver experiências para acumular conhecimento coletivamente e buscar um resultado que seja de oportunidades para que todos possam empreender e investir cada vez mais.

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